segunda-feira, 1 de abril de 2013

Jacques Cláudio Li

Jacques Cláudio Li tinha uns 23 anos quando começou a fazer michê em Copa. A família era de Itaperuna. Ele, de Paquetá. Nasceu quando os pais arrendaram uma pousada na ilha. Quando se mudaram para Niterói, fez Letras na UFF, mas não conseguia emprego de professor de mandarim de jeito nenhum.

A avó paterna de Jacques Cláudio Li era chinesa. A materna era nordestina, como a mãe, de quem herdou a pele morena e os traços que abrasileiraram o rosto oriental. Na pista, virou Severino Li, jovem corpudo, bronzeado pelo sol de Copa, sotaque de surfista, cabelo preto lisinho, que tinha um apê sensacional na Atlântica para receber os clientes vips.

Jacques Cláudio Li não virou michê porque quis. Isso nunca tinha passado por sua cabeça. Jacques Cláudio Li virou michê porque não se aguentava de saudade. Foi pura saudade, ele jura até hoje quando dá palestra em faculdade para ganhar algum dinheiro. Jacques Cláudio Li hoje tem 47 anos.

Quando Jacques Cláudio Li se formou em Letras, com 22 anos, conseguiu um aluno de aula particular em Copa. Era um empresário filho de chinês com brasileira que queria praticar o mandarim porque iria se mudar para Pequim no ano seguinte. Chamava-se Orlando Wang e tinha perto dos 50 anos. Morava sozinho numa cobertura da Atlântica. Com cinco gatos – John, Paul, George, Ringo e D’Artagnan – e um canário belga chamado Luiz Inácio.

Quando Jacques Cláudio Li chegou para a primeira aula, foi logo desconfiando de que tinha alguma coisa de muito esquisita no ar. A casa era um brinco, tudo no lugar, umas coisas de arte, quadro, estátua, fotos de viagens pelo mundo, nenhuma poeira. Orlando Wang sempre sozinho. Nunca com mulher, nem ninguém com cara de filho nas fotos. A roupa era impecável, bem passada, parecia até engomada, cavanhaque certinho, certinho. Adorava ópera. A preferida era Madame Butterfly.

Já tinha passado um mês que Jacques Cláudio Li dava aula para Orlando Wang, quando o aluno foi ficando mais à vontade.

- Como é que diz “você é muito gostoso” em mandarim?

Jacques Cláudio Li emudeceu. Chegou a derrubar café na mesa da sala de Orlando Wang. Só conseguiu dizer “sei, não, Orlando, sei, não”.

Desde esse dia, Orlando Wang foi ficando mais à vontade ainda. E Jacques Cláudio Li, cada vez mais desconfiado. Numa quarta-feira de manhã, Orlando Wang recebeu o professor de mandarim com um quimono japonês com o nome Cio-Cio-San bordado em roxo.

Jacques Cláudio Li não perguntou, mas Orlando Wang explicou assim mesmo:

- É o nome da Madame Butterfly.

- Quem? ... Ah, tá.

Nesse dia, Jacques Cláudio Li estava na maior ressaca do mundo. Não estava muito para papo, e tudo o que queria era um café bem forte. Chegou até a falar isso para Orlando Wang, que foi para a cozinha imediatamente fazer o café para o professor. Com o quimono da Madame Butterfly.

Enquanto a máquina dava conta do café (era uma italiana, que faz expresso), Jacques Cláudio Li sentado numa cadeira da mesa da cozinha, Orlando Wang se abanava com um daqueles leques japoneses, em pé, olhar perdido, como se não houvesse mais ninguém ali. Jacques Cláudio Li foi ficando tenso.

Olhar ainda perdido, Orlando Wang quebrou o silêncio.

- Eu ando muito sozinho, sabe, Jacques?

- Mas você é um cara maneiro, daqui a pouco pinta uma mulher bacana e...

- E quem foi que disse pra você que eu quero uma mulher?

Orlando Wang fechou o leque, teatral, colocou na pia, olhar fixo nos olhos verdes de Jacques Cláudio Li. Foi caminhando devagar, chegou bem perto, se ajoelhou pertinho do professor de mandarim, entreabriu suas pernas e fez menção de abrir o zíper da calça de Jacques Cláudio Li:

- Deixa eu ser sua gueixa?

- Hein?

- Só hoje... Só um pouquinho...

- Cara, peraí...

Não deu tempo. Orlando Wang foi mais rápido.

N.R.: Um ano depois, Orlando Wang foi embora para Pequim. Deixou o apartamento da Atlântica para Jacques Cláudio Li tomar conta. Mas não mandava dinheiro. Dizia que não sustentava macho. Foi só aí que Jacques Cláudio Li virou o Severino Li de Copa. Os gatos, o canário, o quimono da Cio-Cio-San e o leque também ficaram. Custava o dobro o programa se o cara quisesse que Severino Li bancasse a Madame Butterfly.

Nenhum comentário:

Postar um comentário