sexta-feira, 29 de março de 2013

Pelo telefone

- Te acordei?
- Num domingo, às sete e meia da manhã? Nãããããão... Tá maluco, cara? Isso é hora? Que que foi, porra? Só perdoo se foi alguma desgraça.
- Tu sabe que sempre gostei de mulé, né?
- ...
- Não sabe, porra?
- Ai, caralho. Sei, claro que sei. Qual foi a merda que tu fez pra me ligar a essa hora com esse papo?
- Pois é...
- Vai falando, cara, tá me deixando nervoso.
- Acho que não vou ter coragem...
- Tu me acorda num domingo de madrugada e, agora, não quer falar? Desembucha logo.
- Não, não vou ter coragem. Foi mal. Tchau.
Liga de novo.
- Tá bom, eu conto.
- Puta que o pariu, Samuca. Conta logo, pelo amor de Deus. A gente se conhece há 40 anos. Na boa, cara, se tu fez alguma merda grande, não vai ser nada que vai me dar susto. Eu sou teu irmão, cara. Se precisar de advogado, tem o Pedro Ricardo. Se for merda grande, dá pra acionar ele agora.
- Bebi pra caralho ontem...
- Novidade...
- Aí, na volta pra casa, resolvi tomar a última, sozinho, depois de deixar a Lara em casa.
- Que Lara? Essa tu não me contou.
- A Lara, cara, a Lara do Marketing.
- Ah, tá... Ih, aquela gordinha? Tu pegou?
- Ela é um mulherão, mané. Manda bem paca na cama, toda culta, engraçadona. Foi lá pra casa. Me deixou doido. Valeu a grana que eu gastei no jantar no Alcaparra.
- Tu levou a gorda no Alcaparra?
- Porra, cara, não fala assim, não, a mulé é maneira.
- Ãrrã, ãrrã, ãrrã... Tu tava era na seca. Ou tu acha que eu esqueci que tinha mais de mês que tu não...
- Tá, eu sei, eu sei. Mas deixa eu acabar de contar.
- Foi mal. Fala aí.
- Então, deixei ela em casa e fui tomar a última. Até pensando nisso mesmo: “Pô, nunca tive tesão por mulher gordinha, mas a Lara é, sei lá, diferente, uma gordinha gostosa, sabe?
- Ai, meu caralho, tu tá apaixonado, é isso? Me acordou pra dizer que tá apaixonado pela gor... foi mal, pela Lara?
- Não, eu te acordei pra te contar a parada que rolou depois que fui tomar a última naquele boteco, aqui, perto de casa.
- Já sei, se encachaçou e pegou a primeira mulé magra que tu viu, pra matar a saudade de filé, acertei?
- Porra, cara, tu é foda.
- Eu, né? Tu me acorda num domingão, enrola pra caralho pra contar o que tem pra contar, e eu é que sou foda?
- Dei o cu, cara. Dei o cu. Pronto, falei.
- ...
- Fala alguma coisa.
- ...
- Cara, pelo amor de Deus, fala alguma coisa.
- Não consigo. Caralho, Samuca, caralho, que papo é esse, meu irmão?
- Pô, cara, quando eu tava lá, a coisa toda rolando, lembrei na hora de você.
- Que porra é essa, cara? Tá maluco? Lembrou de mim, como assim, como assim, Samuca?
- Não é isso que tu tá pensando, porra. Lembrei porque, quando tava rolando, fiquei pensando em como é que eu ia te contar. Tu é meu irmão, cara, tu é meu irmão.
- Tá, tá, já entendi.. Mas, cara... Samuca... Samuca, meu irmão, tu tem 54 anos. Como assim, deu o cu? A essa altura da vida, meu Deus do céu? Como assim, maluco?
- Eu não sei. Quando vi, já tava dando.
- Na boa, eu não sei nem o que dizer.
- E eu não sei o que fazer.
- O pior tu já fez, né?
- Ele já ligou agora de manhã. Pra ver como eu tava.
- Acho que vou vomitar.
- O cara falou que ia me ligar hoje, e ligou, cara. O cara ligou.
- Samuca, pelo amor de Deus, tu quer me enlouquecer? Você não deu o cu, só, tu tá é pagando paixão por um macho. Puta que o pariu, Samuca, puta que o pariu. Será que eu posso, pelo menos, saber quem é o bofe, mona?
- Quer parar de sacanagem?
- Tu dá o cu pela primeira vez aos 54 anos... Foi a primeira vez, né?
- Foi, eu juro.
- Pois é, tu dá o cu pela primeira vez aos 54 anos, me acorda com essa bomba, e eu, eu, que te conheço há 40 anos, não posso nem perguntar pra quem? Vá se fuder. Vai falando.
- Pro Milton.
- Que Milton, cara pálida?
- Aquele artista plástico.
- Hein?
- 43 anos.
- Meu pai do céu... Peraí, é aquele que vivia fazendo poesia na mesa do boteco, chorando por causa duma mulé, a tal da...?
- ...Laura. Ele mesmo.
- Ele também é viado?
- “Também” é o caralho.
- Foi mal, foi mal.
- Pô, cara, dá um tempo, tô muito na merda... Deixa eu contar.
- Tá bom, fala.
- A gente acabou batendo papo no balcão. Ele começou falando da Laura dele, eu fui falando da minha Lara, e, daí... daí, cara, não lembro mais de nada. Foi muita cachaça. A gente tomou uns oito uísques, sei lá. E eu já tinha bebido vinho pra caralho com a Lara, mais o licorzinho depois que a gente se comeu.
- Eu já cansei de tomar mais de 10 uísques e nunca dei o cu, porra. Para com essa merda. Tu tava era afim. Porra, cara, a gente cansou de se encachaçar junto. Na boa, tu já quis dar o cu pra mim? Fala aí, porra, fala aí.
- Não, né. Tu é meu irmão, cara, tu é meu irmão. E ontem também não tava afim, cara, eu juro. Tava, não. Não tava nem pensando nessa porra. Mesmo. Mas sabe quando a gente fica bebum e não liga mais pra porra nenhuma?
- Sei, não, cara, sei não, sei dessa porra não... Mas, vem cá, tu carregou o bofe pra casa?
- Pois é. Nem lembro mais como ele foi parar lá em casa. Só sei que, lá pelas tantas, acordei e dei de cara com o sujeito na minha cama. Sem roupa, cara, sem roupa, peladão, roncando igual a um porco. Mulé minha sempre reclamou que eu ronco pra caralho, e eu sempre achei babaquice. Mas é uma merda mesmo, cara, é uma merda, deu vontade de enfiar a mão pro cara parar de roncar. Aí, quando eu acordei, também vi que tava com uma dor no cu esquisita; a cara ardendo, meio arranhada. Ele tava sem fazer barba tinha uns dois dias. Aí, fui lembrando...
- Eu vou vomitar.
- Tem mais.
- Puta que o pariu...
- Eu comi o cara também. Depois que ele foi embora, é que eu lembrei. Lembrei quando olhei pra mesinha de cabeceira e vi a garrafa de Frangélico vazia, dois copinhos de licor usados.
- Caralho!
- O pior é que amanhã eu tenho exame lá no Doutor Jaime, aquela porra da próstata. Não consigo parar de pensar nisso. Será que ele vai sacar?
- Pensa bem, analisa: vai ficar mais fácil agora, né?
- Vá se fuder.
- Foi mal.
- Cara, na boa, eu preciso conversar. Preciso desabafar, irmão. Posso ir aí?
- Manda por e-mail, Samuca. Manda por e-mail.

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